quinta-feira, 23 de março de 2017

Tsunami no campo

Recentemente troquei algumas mensagens com meu ex aluno Igor Uehara, recém formado em Agronomia. Ele está bem assustado com as mudanças no meio agronômico e se sente despreparado para lidar com elas.
Estamos no mesmo barco, Igor. A única diferença talvez é que escrevo para acalmar minhas angústias, então vamos lá; Voce me diz que máquinas agrícolas como as do filme interestelar já estão rodando. Ainda não vi o filme, mas se voce se refere a  maquinas agrícolas autônomas, elas não mudam tanto as regras do jogo, já que a demanda de mão de obra do setor já é pequena e as máquinas atuais em muitos casos já viram dia e noite plantando e colhendo mesmo.
As máquinas agrícolas que mudarão dramaticamente as regras do jogo são as que você também citou, bem pequenas, ao contrário das atuais, autônomas e capazes de aplicar agrotóxicos e fertilizantes para resolver problemas de maneira pontual. Sabe aquela andada na lavoura para descobrir pragas, doenças e deficiências? Vai ter um objeto fazendo isto em 24h por dia 7 dias por semana.
Alguns de nós já tem em casa um aspirador de pó que funciona parecido. Da mesma forma, como ele fica uma ou duas horas aspirando sozinho, não precisa ser tão potente quanto o aspirador de pó convencional.
Mas quem calibra esta máquina? Como ela faz a sintonia fina entre o tom de amarelo e a quantidade de Nitrogênio que será aplicado? E quando ela confundir deficiências com doenças, quem acerta o algoritmo da máquina? Aquele agrônomo que mal aturou o cálculo, aliás também muito mal ensinado?
Do lado da demanda, as mudanças são muito maiores que o clichê tão repetido que precisamos aumentar a produção para alimentar 10 bilhões de pessoas. Ainda que os 3 bi de bocas adicionais não sejam negligíveis, um grande contingente de pobres está ascendendo, e portanto aumentando sua demanda por proteína animal e açúcares. Por outro lado, os mais ricos estão reduzindo seu consumo de proteína animal, como mostram os dados de consumo per capita nos EUA, e ao mesmo tempo buscam produtos mais integrais e com menos resíduos de agrotóxicos. As duas tendências são opostas, mas o mundo é um só. Não faço a menor idéia como isto irá desenrolar-se.
A lista não para aí. O clima, do qual tanto depende a agricultura, está mudando. O aumento de temperatura significa muito mais que uns poucos graus centígrados a mais. A circulação de calor e umidade no planeta está mudando, e quem entende bastante do assunto está falando em secas e enchentes, dois grandes inimigos da agricultura. Por outro lado ela, a agricultura é também parte do problema, porque queima muito combustível fóssil. Como ela vai responder ao chamado para contribuir para a redução da queima dos combustíveis fósseis?
Por fim, a tecnologia está trazendo a possibilidade de produzir de formas muito diversas das tradicionais. Por exemplo, galpões gigantes em Boston estão sendo usados para produzir hortaliças usando lâmpadas de LED e hidroponia. Gasta mais eletricidade, mas economiza muito em transporte. Igualmente, está no horizonte a produção de proteína animal por meio de microorganismos. Há peões microbiologistas por aí? O mercado está atrás deles.
E depois do último, ainda tem o mais importante de todos, a  Inteligência Artificial. Se o médico e o advogado estão com medo, que dizer da agronomia, que muitos acreditam que se refira ao que consta na embalagem do agrotóxico? Não é fácil trocar um agrônomo que ganha salário por outro com memoria infinita e que não reclama de trabalhar na virada do ano?

O mundo está mudando e a agricultura junto com dele.
Igor, se há uma coisa que lhe deixa em melhores condições para enfrentar este tsunami, é perceber que não está preparado para o desafio. Só por isso, que não é pouco, voce já está a frente dos nossos colegas.

2 comentários:

  1. Ola Efraim.

    Os empregos estao abundantes por enquanto para os very entry level e para quem he web developer. Esses ultimos mandam no mundo, sao muito bem pagos.

    Em relacao a producao de hortalicas com led e afins a coisa esta mais desenvolvida em Singapore, Japao...e alguns pontos dos USA e Canada. Eu esperava muito mais da west coast, mas por aqui a coisa esta devagar. De oregon para cima sobra agua e as areas urbanas carissimas sao para predios que chineses compram ou os techies que tem baita salario.

    Para quem produz hortalicas e coisas de alto valor agregado por area eu nao me preocuparia com algoritimos ainda. Isso fica para a turma do corporate farming.

    Africa esta comendo mais arroz, asia mais trigo. Veremos se os web developers poderao salvar o mundo. Todo o dinheiro nao valera muito se nao houver agua e comida.

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  2. Saiu uma matéria (grande) na folha sobre o emprego da inteligência artificial nos nossos dias:

    http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/04/1871569-inteligencia-artificial-pode-trazer-desemprego-e-fim-da-privacidade.shtml

    Vale lembrar que, lá nos anos 50, alguns "futuristas" já debatiam estas questões. Isaac Asimov até escreveu um livro -- Eu, robô -- abordando o dilema ético e elaborou as três leis da robótica (https://pt.wikipedia.org/wiki/Isaac_Asimov#Leis_da_Rob.C3.B3tica). Arthur C. Clarke também escreveu sobre uma máquina que tenta elimiar os humanos que atrapalhavam sua missão em 2001, Uma Odisséia no Espaço.

    Por trabalhar na área de tecnologia, acredito que as máquinas devem substituir os trabalhos repetitivos, mas duvido muito que substituam os trabalhos criativos...

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